Ato 2: Essência.
Acordei. É o que parece pelo menos. Merda, está tudo
doendo, da cabeça aos pés. Porcaria de jogo. Eu também fui um idiota. Imbecil,
imbecil... era só chutar para o psicopata que mora na sua cela caramba!
Dane-se, pelo menos eu ainda estou vivo, semana que vem não vai mais ter isso.
- Vai. Ficar. Tudo. Bem - Disse para mim mesmo ao pensar
que pelo menos eu acordei. Mas a quem eu quero enganar? Está tudo uma merda, eu
sou um bandido que apanha de bandido. Não sirvo nem para essa merda de mundo em
que eu mesmo me enfiei.
- Levanta, moleque! – guarda Silas gritou para mim – Tá
parecendo um bicho morto, e isso vocês vagabundos não podem -ainda- no Brasil.
Se dependesse de mim vocês todos estariam na vala – Ele disse com a seu sorriso
sarcástico. Desgraçado.
- Seu Deus te ensinou isso aonde? – Olhei para ele
- Quanto tempo falta para você sair, negão? Ouvi dizer que
é pouco. Toma cuidado com suas palavras, seu merdinha – Merda. Não deveria ter
falado nada.
- Melhor ficar calado a partir de agora – Ele disse antes
de sair.
...
Não falei com ninguém desde aquele dia. Já se passaram 3
desde a surra, faltam 4 dias. Terminei meu livro, decidi dar ele para um colega
de cela, o nome dele é Josias, tá preso aqui porque não pagou a pensão do
filho. Eu não acho que ele está aqui injustamente, pois ele sabia da responsabilidade
dele, mas ele não é uma pessoa ruim. Afinal, quem é bom? Eu sou um bandido
defendendo um pai ausente, ninguém é bom. Somos todos naturalmente ruins,
alguns mais que outros. Por isso que eu fiquei aqui dentro tanto
tempo, sou pior do que o Josias, mas isso é porque de onde eu vim eu tive que
fazer coisas piores do que ele. Mas o Josias não é bom, por isso ele está aqui.
Por isso que ele me disse que o filho dele se mete em brigas na escola. Ok,
acho que de onde viemos nos influencia de forma mais forte.
Hoje teve mais um jogo. Mas eu nem cheguei perto do campo,
é melhor eu ficar na minha mesmo, só faltam 4 dias mesmo. Eu não faço ideia do
que vou fazer quando sair daqui, não sei se tem alguém me esperando no dia, não
sei se terá formas de eu sobreviver. Dane-se eu me preocupo com isso quando
sair. Aqui eu consegui fazer um curso de barbearia, minha mãe tinha ficado tão
feliz quando soube, falou que eu finalmente estava tomando um rumo certo e
repetiu aquela do “conhecimento é poder”. Mal entende minha mãe que nós nunca
teremos poder, pois nunca vão deixar que tenhamos conhecimento o bastante para
isso, eu só fiz o que achei que era o melhor na época. Enfim, eu acho que não
sei se quero ser barbeiro.
...
Vou sair hoje. Não posso acreditar no que está para
acontecer. Hoje eu vejo um pouco de brilho no mundo, algo que não vejo a pelo
menos 18 anos. Mas ainda sim há um medo dentro de mim, algo me dizendo que
talvez isso não dará certo, dizendo que não sou mais feito para me reintegrar a
sociedade, que vou voltar para este inferno... A merda tudo isso!!! Eu já
paguei por isso mesmo, bom, de acordo com a “lei” ... se houver algum valor na
lei ainda. Eu cumpro aqui pois fiz merda e sou um miserável, não tinha dinheiro
que me tirasse disso aqui. Diferente de muita gente que já fizeram coisas
piores e que tiveram mais consequências (socialmente falando) e por serem “filhos
de alguém” nunca sentiram mais de um dia em uma penitenciária. A vida é assim mesmo “alguns nascem pra sofrer
enquanto o outro ri” igual a música do Tim Maia, minha mãe o adorava.
- Jairo Pereira! – Gritou o guarda Silas – Tá na hora de ir
embora, imundo.
Desgraçado! Mas pelo menos não preciso mais disso, estou
indo embora mesmo. Eu levanto pego minhas roupas e saio com ele da cela. Outros
presos começam a ficar mais agressivos ao verem que tem uma pessoa indo embora,
é normal quando isto acontece geralmente. Ando depressa, faço toda a burocracia
necessária para a saída. Vejo o portão e o mundo lá fora, vejo alguém e acho
que deve ser a minha mãe.
- Se esforça para não voltar aqui tão cedo, negão. – Guarda
Silas disse, enquanto outros riam perto dele.
- Pode deixar, da sua cara eu já estou mais do que cheio – Falei
olhando nos olhos dele. Acho que ele se impressionou com minha fala. Babaca.
Outro guarda me acompanhou até o portão. Eu consegui ver
minha mãe depois de muito tempo, ela estava chorando tanto quando me viu. Corri
e a abracei, senti depois de tantos anos a sensação de segurança que ela
passava quando estava em casa. Me sinto com 12 anos de novo, isso é tão bom. Mas
tudo é passageiro... principalmente a felicidade.
- Por favor, não faça algo que te traga aqui novamente –
Minha mãe me disse entre tantas lágrimas. Agora posso pensar no que causei a
ela. Não fui só eu quem sofreu este tempo todo, para minha mãe também doeu. Imagino
quantas coisas horríveis ela ouviu por minha causa.
- Me desculpa por tudo que eu causei. Prometo não fazer mais
nada disso. – a abracei novamente. Eu precisei muito deste abraço.
- O que você fez me matou por dentro, mas pior ainda, matou
outras duas pessoas de verdade. Eu te perdoo porque é meu filho, mas não quero
mais a sua vida daquela forma.
A felicidade é passageira, a tristeza e a culpa não. Eu posso
estar feliz por ter saído, mas continuo sendo um bandido... um assassino na verdade!
Aquela semana passou, mas como lidar com os próximos anos? Nunca achei que essa
minha liberdade fosse me prender tanto de outra forma.
Caraca, pra um bagulhos relativamente curto me faz sentido várias emoções. A urgência e ansiedade do começo que dá lugar a angústia e incerteza no meio, que por fim de entrega a uma sena de certa forma agradável mas passageira (como a felicidade kkkkkk) dando espaço para a um sentimento de culpa no seu final.
ResponderExcluirEstou realmente curioso pra ver o que espera a Jaíro!