segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Jairo: Um conto sobre o "pré" e o "conceito".

 

Ato 2: Essência.

Acordei. É o que parece pelo menos. Merda, está tudo doendo, da cabeça aos pés. Porcaria de jogo. Eu também fui um idiota. Imbecil, imbecil... era só chutar para o psicopata que mora na sua cela caramba! Dane-se, pelo menos eu ainda estou vivo, semana que vem não vai mais ter isso.

 

- Vai. Ficar. Tudo. Bem - Disse para mim mesmo ao pensar que pelo menos eu acordei. Mas a quem eu quero enganar? Está tudo uma merda, eu sou um bandido que apanha de bandido. Não sirvo nem para essa merda de mundo em que eu mesmo me enfiei.

- Levanta, moleque! – guarda Silas gritou para mim – Tá parecendo um bicho morto, e isso vocês vagabundos não podem -ainda- no Brasil. Se dependesse de mim vocês todos estariam na vala – Ele disse com a seu sorriso sarcástico. Desgraçado. 

- Seu Deus te ensinou isso aonde? – Olhei para ele

- Quanto tempo falta para você sair, negão? Ouvi dizer que é pouco. Toma cuidado com suas palavras, seu merdinha – Merda. Não deveria ter falado nada.

- Melhor ficar calado a partir de agora – Ele disse antes de sair.

...

Não falei com ninguém desde aquele dia. Já se passaram 3 desde a surra, faltam 4 dias. Terminei meu livro, decidi dar ele para um colega de cela, o nome dele é Josias, tá preso aqui porque não pagou a pensão do filho. Eu não acho que ele está aqui injustamente, pois ele sabia da responsabilidade dele, mas ele não é uma pessoa ruim. Afinal, quem é bom? Eu sou um bandido defendendo um pai ausente, ninguém é bom. Somos todos naturalmente ruins, alguns mais que outros. Por isso que eu fiquei aqui dentro tanto tempo, sou pior do que o Josias, mas isso é porque de onde eu vim eu tive que fazer coisas piores do que ele. Mas o Josias não é bom, por isso ele está aqui. Por isso que ele me disse que o filho dele se mete em brigas na escola. Ok, acho que de onde viemos nos influencia de forma mais forte.

 

Hoje teve mais um jogo. Mas eu nem cheguei perto do campo, é melhor eu ficar na minha mesmo, só faltam 4 dias mesmo. Eu não faço ideia do que vou fazer quando sair daqui, não sei se tem alguém me esperando no dia, não sei se terá formas de eu sobreviver. Dane-se eu me preocupo com isso quando sair. Aqui eu consegui fazer um curso de barbearia, minha mãe tinha ficado tão feliz quando soube, falou que eu finalmente estava tomando um rumo certo e repetiu aquela do “conhecimento é poder”. Mal entende minha mãe que nós nunca teremos poder, pois nunca vão deixar que tenhamos conhecimento o bastante para isso, eu só fiz o que achei que era o melhor na época. Enfim, eu acho que não sei se quero ser barbeiro.

 

...

Vou sair hoje. Não posso acreditar no que está para acontecer. Hoje eu vejo um pouco de brilho no mundo, algo que não vejo a pelo menos 18 anos. Mas ainda sim há um medo dentro de mim, algo me dizendo que talvez isso não dará certo, dizendo que não sou mais feito para me reintegrar a sociedade, que vou voltar para este inferno... A merda tudo isso!!! Eu já paguei por isso mesmo, bom, de acordo com a “lei” ... se houver algum valor na lei ainda. Eu cumpro aqui pois fiz merda e sou um miserável, não tinha dinheiro que me tirasse disso aqui. Diferente de muita gente que já fizeram coisas piores e que tiveram mais consequências (socialmente falando) e por serem “filhos de alguém” nunca sentiram mais de um dia em uma penitenciária.  A vida é assim mesmo “alguns nascem pra sofrer enquanto o outro ri” igual a música do Tim Maia, minha mãe o adorava.

 

- Jairo Pereira! – Gritou o guarda Silas – Tá na hora de ir embora, imundo.

Desgraçado! Mas pelo menos não preciso mais disso, estou indo embora mesmo. Eu levanto pego minhas roupas e saio com ele da cela. Outros presos começam a ficar mais agressivos ao verem que tem uma pessoa indo embora, é normal quando isto acontece geralmente. Ando depressa, faço toda a burocracia necessária para a saída. Vejo o portão e o mundo lá fora, vejo alguém e acho que deve ser a minha mãe.

- Se esforça para não voltar aqui tão cedo, negão. – Guarda Silas disse, enquanto outros riam perto dele.

- Pode deixar, da sua cara eu já estou mais do que cheio – Falei olhando nos olhos dele. Acho que ele se impressionou com minha fala. Babaca.

Outro guarda me acompanhou até o portão. Eu consegui ver minha mãe depois de muito tempo, ela estava chorando tanto quando me viu. Corri e a abracei, senti depois de tantos anos a sensação de segurança que ela passava quando estava em casa. Me sinto com 12 anos de novo, isso é tão bom. Mas tudo é passageiro... principalmente a felicidade.

 

- Por favor, não faça algo que te traga aqui novamente – Minha mãe me disse entre tantas lágrimas. Agora posso pensar no que causei a ela. Não fui só eu quem sofreu este tempo todo, para minha mãe também doeu. Imagino quantas coisas horríveis ela ouviu por minha causa.

- Me desculpa por tudo que eu causei. Prometo não fazer mais nada disso. – a abracei novamente. Eu precisei muito deste abraço.

- O que você fez me matou por dentro, mas pior ainda, matou outras duas pessoas de verdade. Eu te perdoo porque é meu filho, mas não quero mais a sua vida daquela forma.

A felicidade é passageira, a tristeza e a culpa não. Eu posso estar feliz por ter saído, mas continuo sendo um bandido... um assassino na verdade! Aquela semana passou, mas como lidar com os próximos anos? Nunca achei que essa minha liberdade fosse me prender tanto de outra forma.

Um comentário:

  1. Caraca, pra um bagulhos relativamente curto me faz sentido várias emoções. A urgência e ansiedade do começo que dá lugar a angústia e incerteza no meio, que por fim de entrega a uma sena de certa forma agradável mas passageira (como a felicidade kkkkkk) dando espaço para a um sentimento de culpa no seu final.
    Estou realmente curioso pra ver o que espera a Jaíro!

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